Flautas enferrujadas¹

Ângela Christina Néris
3 min readJun 1, 2024

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“Dá pra fazer música com uma flauta enferrujada?”

Essa foi a pergunta de Noélia ao seu amigo reluzente, em uma bela manhã de Natal.

O céu estava azulzinho, a manhã quieta, refletindo o sol que chegava de mansinho trocando de lugar com a lua e varrendo todo o escuro da noite.

O frescor das flores era palpável, dando à atmosfera um quê de esperança, graça e alegria. O riso parecia fácil, a conversa, agradável.

Os amigos reunidos conversando alegremente sobre as trivialidades da vida, todos contentes, animados e alheios ao conflito interior de nossa amiga Noélia.

A ela foi incumbida a tarefa de achar instrumentos musicais pra que a turma pudesse “fazer um som”, como os jovens diziam. A ela, disseram, ali bem perto de onde estavam, havia um depósito maneiro com todo tipo de apetrecho.

Noélia se adiantou pra cumprir o pedido de seus amigos, porém se deparou com uma situação bem inusitada: ali, bem no meio da cidade, de forma inacreditável, um esgoto a céu aberto passava por entre um beco, com arames farpados cercando o local de maneira a ser quase impossível o acesso. Imersos dentro da sujeira do lugar, boiava todo tipo de instrumento musical.

A garota não sabia o que fazer. Muito embora o pedido feito, ela não sabia como conseguiria pegar algo ali dentro e também, não queria se sujar com os excrementos expostos e entremeados aos instrumentos.

Chamou seu amigo Miguel, um verdadeiro anjo em sua vida, e contou pra ele do local praticamente inacessível, abarcando exatamente o que eles queriam no momento.

Miguel se esgueirou por entre o pessoal e deixando a conversa, resolveu socorrer sua amiga e tentar ajudá-la no cumprimento da tarefa.

Ao chegar lá, de maneira rápida e sem se importar com a sujeira, Miguel conseguiu alcançar uma flauta enferrujada e bem suja.

Noélia não podia acreditar no que via: além do amigo ter conseguido a façanha, ele parecia não se importar tanto com a sordidez do instrumento e já fazia planos de como utilizaria a flauta em breve para tocar belas músicas natalinas.

Quando viu, a pergunta já havia saído de si com impulsividade e repulsa:

“Dá pra fazer música com uma flauta enferrujada?”

Seu amigo Miguel virou-se e apenas sorriu.

Um daqueles sorrisos largos e confiantes, deixando a entender o que ele bem queria dizer, mas não disse.

Ciente de que, por si só, ela ligaria os pontos mais tarde em sua vida e se lembraria do Deus que se vale de flautas podres e enferrujadas como nós, pra fazer música e ser melodia na vida dos outros.

Noélia viveria em alguns anos o poder de Efésios 2:1: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados.”.

Ela experienciaria em sua própria pele a graça do Deus que ressuscita mortos e nos reveste de glória, nos abençoando com toda sorte de bênção espiritual e nos fazendo assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus.

Ela conheceria sua amiga e parceira de oração Angelina, vivenciaria momentos de lutas e alegrias, lágrimas e bênçãos, escuros da alma e respostas de oração, e em tudo, aprenderia e apreenderia que sua vida é definida por Cristo e a Sua majestosa obra de salvação.

E que a podridão dela e de Angelina, depositadas aos pés do Senhor, seriam na cruz de todo lavadas, renovadas e transformadas em flautas que docemente alegram o ambiente e fazem ressoar a música do Evangelho.

Noélia percebeu que sim, dá sim pra fazer música boa, bela e harmoniosa com flautas sujas, podres e enferrujadas, uma vez que é o Flautista quem toca e o Seu Toque transforma, redime e regenera (Tito 3:3–7)².

¹ Escrito baseado em um sonho contado por uma querida amiga em uma bela manhã ensolarada (não natalina).

² “Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros. Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que Ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.” Tito 3:3–7

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